sábado, 1 de novembro de 2008

491 anos de Reforma Protestante, e agora, o que fazer?

No dia 31 de outubro de 1517 o monge agostiniano Martinho Lutero afixou nas portas de sua igreja, em Wittemberg, na Alemanha, um anúncio contendo 95 teses contra a venda das indulgências e a infalibilidade do Papa.  Esse gesto inaugurou um processo histórico conhecido como Reforma Protestante.

Você que me lê neste momento já é suficientemente crescido para se lembrar de seu pecado mais escabroso, aquele que só de lembrar, estando sozinho, você sente um aquecimento por dentro, as faces ruborizam e a vergonha toma conta do seu ser.  Esse mesmo! Lembrou?  Pois bem, se fosse possível para você pagar um determinado valor que o livrasse desse sentimento, quanto você pagaria?

Pois bem, durante a Baixa Idade Média (séculos XI ao XVI), disseminou-se a idéia da necessidade de se pagar indulgências para a obtenção do perdão divino, eliminação dos pecados (passado, presente e futuro) e garantia de acesso ao Paraíso, sem passar pelo Purgatório (espécie de ante-sala do Céu, para purificar a sua alma, uma vez que o sacrifício vicário de Cristo não era suficiente, vê se pode isso...). Ah!  Se você pagasse o dobro do valor estipulado, poderia escolher um parente morto para livrá-lo do Purgatório também, já que ele morreu sem saber dessa liquidação relâmpago de perdão e salvação.

Após formar-se no seminário, o jovem Lutero foi para Wittemberg, lecionar Teologia do Novo Testamento.  Devido à sua sagacidade e raciocínio brilhante, associado às inquietações e indagações típicas do homem renascentista, Lutero logo se tornou um dos professores mais populares da universidade.  Passou a ministrar as missas para a cidade também, mas de uma forma totalmente nova, falando de frente para os fiéis, em alemão, quando a prática era de costas para o público e em latim, ou seja, ninguém entendia patavinas... As pessoas saíam da igreja, após a missa ministrada por Lutero dizendo: “Finalmente entendi alguma coisa!” ou “Agora sim!”.  Alguns tinham aquela famosa reação bovina: “hmmmmmmmmmmmm...”

O superior de Lutero, o bispo de Tetzel, autorizou a venda de indulgências em Wittemberg, Lutero protestou contra o fato, tentou instruir os fiéis e finalmente afixou as teses na porta da sua igreja.  Há que se entender o contexto da época, as igrejas eram o centro social, político, cultural e, de vez em quando, religioso das cidades medievais.  Afixar algum anúncio na porta de uma igreja era o mesmo que colocar um anúncio de primeira página no jornal de maior circulação de uma cidade dos dias atuais.  Tinha uma divulgação e credibilidade.

Lutero foi chamado a retratar-se de suas teses, sob pena de excomunhão e morte.  Pediu 24 horas para pensar e orar, de acordo com a tradição, após esse período, respondeu:

"Que se me convençam mediante testemunho das Escrituras e claros argumentos da razão - porque não acredito nem no Papa nem nos concílios já que está provado amiúde que estão errados, contradizendo-se a si mesmos - pelos textos da Sagrada Escritura que citei, estou submetido a minha consciência e unido à palavra de Deus. Por isto, não posso nem quero retratar-me de nada, porque fazer algo contra a consciência não é seguro nem saudável.

Não posso fazer outra coisa, esta é a minha posição. Que Deus me ajude!” (Worms, 17 de abril de 1525).  Nesta ocasião, Lutero tinha 42 anos de idade.  Havia publicado as suas teses aos 34 anos.  Bons tempos nos quais jovens de 34 anos (e digo jovens, pois para mim, que estou batendo nos 40, todo sujeito abaixo dessa idade é novinho, novinho, ainda mais que temos adolescentes de 40 anos atualmente...) estavam prontos a mudar seu mundo.

Mas isso tudo é História, passaram-se 491 anos.  A Reforma é uma realidade no ocidente e no mundo.  O Brasil é o país que mais exporta missionários evangélicos.  O Protestantismo é o seguimento religioso que mais cresce no nosso país.  Aliás, virou moda o sujeito dizer que se converteu.  Alguns dos que me lêem lembram-se do tempo em que dizer que era protestante numa sala de aula ou ambiente de trabalho era sinônimo de exclusão, de estranhamento.  Um tempo atrás conversava com um amigo, filho de pastor, que me contava das dificuldades para se plantar igrejas no interior do Brasil.  Momentos em que ele se lembrava de ficar encolhido, abraçado à sua mãe, dentro de casa, enquanto pessoas apedrejavam a casa pelo simples fato de serem protestantes, ou ainda, de ser colocado isolado na sala de aula, para não se misturar com as outras crianças. 

Hoje temos garantida a nossa liberdade na própria lei do país, como isso custou caro.  Como o simples fato de domingo eu sair da minha casa, com a minha família, ir para a igreja, encontrar irmãos da mesma fé, louvar, ouvir a Palavra de Deus, tudo isso livremente, sem hostilidades.  Só isso já se torna uma grande benção.  Mas foi caro, muito caro. 

É notório que a igreja protestante necessita de uma nova Reforma, perdemos a simplicidade do evangelho, perdemos a suficiência da Cruz. A cada dia ouço sobre o surgimento de novo profeta ou profetisa, da necessidade de saber mais sobre o inimigo do que sobre Deus, com a desculpa de se estar mais equipado para o “combate”.  Ouço sobre o aumento do sectarismo e populismo evangélico, pessoas que vão às igrejas e não entendem o dialeto ali falado ou a coreografia apresentada nesse momento denominado de “louvor”.

Que nesse dia de aniversário da Reforma possamos nos contentar e alegrar com as palavras de Lutero:

Somente Cristo, Somente a Graça, Somente a Fé

 


Campinas, Primavera de 2008